Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens com o rótulo Conto

Conto: Hábito de lambedura

  Conto: Hábito de lambedura Minha mãe teve muitas empregadas, ou tentativas de ter. Não eram para casa, mas para ajudarem nas tarefas da lanchonete que tínhamos. Tudo muito simples, menos o capricho de minha mãe. Primorosa e orgulhosa o bastante para não admitir coisas mal feitas. Mantinha tudo muito limpo, mesmo nada sendo lá de alguma beleza.  Fazia todos os quitutes oferecidos: salgados, carnes, refeições, café, queimadinha (açucar caramelizado com leite e canela) e tanto mais. Quem comia uma vez, virava freguês. Como ela sempre disse: "não existe comida gostosa sem capricho". A luta era grande e pesada. Ela acordava às quatro da manhã todos os dias e só descansava aos domingos. Quando terminava as demandas do bar, lá pelas 18h, ainda passava roupas antes de dormir. Precisava mesmo de ajuda. A bendita e desejada empregada nunca dava certo. Porcas, irresponsáveis, ladras (infelizmente). Aparecia de tudo. O bar ficava na frente do lote e nossa casa nos fundos, numa avenida

Conto: Barato do meu cachorro

  Conto: Barato do meu cachorro Eu nunca fumei . Nada, de nenhuma planta ou veneno. Lembro do ditado que diz que então morri, porque também não bebo nem cheiro. Por honestidade, que conste: bebo vinho eventualmente. Então, pelo ditado, ainda presto pra alguma coisa. Mas a história é sobre uma amiga que bebe e fuma (planta). Essa bela adormecida (pra não dizer outra coisa), inventou de pedir demissão e morar na Austrália. Despedida Eis que para ir embora (morava sozinha) teve que desfazer de tudo, até só restar o que coubesse em duas malas. Ao final de todo desapego, em sua últtima noite no Brasil, ela dorme em minha casa. Naquele clima de despedida, uma terceira amiga se junta para ajudar na organização da bagagem e darmos adeus num jantar que fiz com carinho (lasanha à bolonhesa). A descoberta Eu na cozinha, passava de vez em quando pelo quarto onde estavam, quando em dado momento avistei um cigarro de planta num nicho baixo da parede. A amiga, futura australiana, caiu na risada e di

Conto: Morto-vivo

Conto: Morto-vivo Tinha uma auxiliar de serviços gerais na empresa. Creuza. Era daquelas pessoas sorridentes, alegres, tinha inteligência e perspicácia que logo se notava. E era feia, muito feia. Aquela feiura que a gente acostuma e que se camufla pelo bom papo e alto astral. Era alta, muito magra, curvada. O rosto tinha formato diferente de todas as possibilidades comuns, como se fosse uma anomalia - mistura de quadrado e retangular, e largo. Olhos muito espertos e vigilantes, sempre curiosos, harmônicos. Nariz delicado, sempre arrebitado enquanto andava. E tinha sardas. A boca afundava no maxilar que era exageradamente pra frente. Seu bom humor sempre presente nos aproximou. Sempre que possível, almoçávamos ou lanchávamos juntas. Papeávamos até. Falava em namoros, pretendentes e sobre seus planos de futuro de ser bem sucedida profissionalmente. Ela também tinha algo de misterioso, parecendo coisa de quem é observador e crítico demais. A empresa era num shopping e certa vez, enquanto

Conto: O Beco

Conto: O beco Ele acordou cedo, ainda cinco horas da manhã, mesmo sendo domingo.  Mais um dia com as mesmas coisas e após ler rapidamente as notícias pelo celular, preparou seu primeiro café da manhã seguido da alimentação e medicamentos do filho que ainda dormia tranquilamente.  Ligou a bomba de nutrição que o alimentaria pelas próximas duas horas e medicou. Deixou-o ainda em sono gostoso. Sabendo que a esposa dormia ainda, porém atenta, Júlio calçou seus tênis, vestiu roupas leves e seguiu para seus exercícios na academia que não era tão perto, mas dessa vez decidiu caminhar até lá. Com os pés no chão é possível perceber melhor. Tudo fica nítido e presente. Coisas que pareciam não existir, tomam forma e chamam atenção pelo caminho. Lojas, pessoas, detalhes do calçamento e o céu. Quase no meio do percurso avistou num beco longo e sem saída do outro lado da rua , um casal jovem que se beijava apaixonadamente. Pareciam corpos e rostos de quem passara uma boa noite de festa e intimidade

Conto - Sessão de cinema - Fuga

Conto - Sessão de cinema Era sexta-feira quando ela viu sobre a estreia do filme no cinema . Em segundos sentiu urgência em assisti-lo. Pensou tudo ao mesmo tempo: amava fazer isso, não o fazia há muito tempo, apaixonou por esse filme há dez anos no primeiro, era um filme longo de três horas (como gostava ainda mais).  Logo enviou mensagem pro marido no trabalho, dizendo que iria na próxima semana assistir. Olhou as melhores salas, horários e quis fugir das lotações de férias. Ficou realmente ansiosa. Ficou combinado. Mas aquele desejo visceral chamou sua atenção. Por que queria tanto isso? Tinha mesmo algo a mais. Tinha a ver com a semente plantada da tristeza que brotava. Ela por fim entendeu. Queria o refúgio do escuro e do isolamento por três horas. Era um presente que estava se dando. Escolheu uma sala VIP com belas poltronas reclináveis, comprou logo aquele combo astronômico de pipocas de todos os sabores e refrigerantes, mesmo sabendo que não daria conta. Conseguiu chegar u

Conto - Um arroto inesperado

Conto - Um arroto inesperado Regina tinha vinte anos, já casada, falava dois idiomas fluentemente, muito estudiosa desde criança. Se é que alguém estudioso não o seja desde a infância. De familia simples mas onde nunca faltou nada e sobrou o esforço de labutas e suas recompensas. Trabalhava há um ano em uma grande empresa de telefonia que se instalou no Brasil para abrir as portas da tecnologia de celulares. Regina e seus futuros colegas de trabalho foram treinados intensamente antes da inauguração Instalações luxuosas para os padrões da cidade de interior, dentro do shopping. Uniformes impecáveis com meias finas e sapatos pretos fechados. Saias e coletes pretos, camisas brancas de mangas longas e até lenço no pescoço fechando o look quase de aeromoças. O negócio era um sucesso, com atendimento impecável que já corria fama. As atendentes ficavam em baias separadas por grossos vidros fumê e um carpete verde se estendia por todo o ambiente. Na recepção os clientes pegavam suas senhas e

Conto - Anestesia geral

Conto - Anestesia geral Trinta anos e parida há três meses. Madrugada interrompida por um provável infarto, tamanha dor que Giovana sentia no peito. Fincadas e falta de ar. Só podia ser o coração. Acho que vou morrer, vamos logo ao hospital . Sentia que não resistiria ao tempo gasto para arrumar as coisas do bebê e chegar ao destino. Luzes apagadas, ninguém na espera, tudo seria rápido. Mas não. Não pra aquela dor. Socorro! Socorro! A vontade era bradar , mas a dor e a vergonha só permitiam suplicar até certo tom que fosse suficiente para chamar atenção de médicos e enfermeiras que insistiam em não aparecer. Finalmente uma alma desgraçada apareceu mas o sonho de uma intravenosa com algo fluindo nas veias estava distante.  O anjo veio mas não tinha asas. O médico chegou irritado, certamente foi acordado por Giovana mas não teve coragem de reclamar. Chegou dizendo que tinham pacientes sendo acordados. Fodam-seeee! Giovana mal conseguia responder às perguntas idiotas, entre elas se tinh