Conto: Hábito de lambedura
Minha mãe teve muitas empregadas, ou tentativas de ter. Não eram para casa, mas para ajudarem nas tarefas da lanchonete que tínhamos.
Tudo muito simples, menos o capricho de minha mãe. Primorosa e orgulhosa o bastante para não admitir coisas mal feitas. Mantinha tudo muito limpo, mesmo nada sendo lá de alguma beleza.
Fazia todos os quitutes oferecidos: salgados, carnes, refeições, café, queimadinha (açucar caramelizado com leite e canela) e tanto mais. Quem comia uma vez, virava freguês. Como ela sempre disse: "não existe comida gostosa sem capricho".
A luta era grande e pesada. Ela acordava às quatro da manhã todos os dias e só descansava aos domingos. Quando terminava as demandas do bar, lá pelas 18h, ainda passava roupas antes de dormir. Precisava mesmo de ajuda.
A bendita e desejada empregada nunca dava certo. Porcas, irresponsáveis, ladras (infelizmente). Aparecia de tudo.
O bar ficava na frente do lote e nossa casa nos fundos, numa avenida comercial movimentada. A vida de todos se misturava à vida no bar.
Na cozinha da lanchonete também eram feitas partes do nosso almoço de familia.
Certa vez, uma pretendente à empregada, esquisita, que mal falava e tinha cara fechada, estava nos primeiros dias de teste.
Minha mãe atendia ao balcão, corria na cozinha para orquestrar e ensinar. Ia lá dentro de casa colocar roupas de molho, lavava o quintal e por aí vai.
Nessa correria, em certo momento na hora do preparo do almoço, ela encontra a esquisita simplesmente lambendo os bifes ainda crus. Os bifes que almoçaríamos.
Já te adianto: ela estava provando o ponto de tempêro. Sim, se estavam bem temperados.
Ainda dou risada lembrando daquele momento. Minha mãe entrando em casa com olhos tão arregalados que eu nunca tinha visto antes e contando: "a menina estava lambendo os bifes! lambendo os bifes!"
Enquanto contava, a criatura já tinha sido demitida, é claro. Tem coisas que não se ensinam ou não se aprendem. Ou ainda, às vezes, não há tempo.
E continuou desnorteada, balançando a cabeça como se quisesse tirar a cena da cabeça pela força.
Eu era tão criança ainda, ouvi, achei graça e continuei vendo meu desenho na televisão.
O bom é que por fim umas três abençoadas que foram muito importantes para nossa familia e nos ajudaram por bons anos.
Ah se aquele bar falasse... A propósito chamava-se LUDBAR...
Ludmila Barros 🔗 @ludmilapb
Comentários
Postar um comentário
Comente! Deixe seu nome por favor!