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Euforia no velório

Pais no carnaval anos 60

 Euforia no velório

Sim, eu fiquei eufórica no velório e enterro do meu pai, há sete meses.

Que coisa esquisita.

Ele faleceu às três da manhã e meu irmão que o acompanhava no hospital, esperou amanhecer para nos contar. Ainda me emociono ao lembrar dessa gentileza.

Eram seis da manhã quando eu, minha mãe e meu marido soubemos então daquela notícia tão triste.

Alguns abraços, lágrimas e logo começou o dia estranho. Não havia dor, desespero nem indignação. Só calma e um vazio anestésico.

Na minha fé isso é o famoso colo de Deus. Essa mesma fé que também faz enxergar os livramentos. Ele não merecia sofrer e não sofreu.

Logo a mente já estava também presa aos afazares que esse momento pedia: organizar velório, enterro, roupa que seria usada pelo meu pai que se foi.

Tinha também os avisos, as pessoas que viriam de longe, horários, lanches e principalmente checar as condições de minha mãe o tempo todo. Eu jurava que ela não aguentaria.

E tudo seguiu como em flutuação, dentro de um sonho, meu corpo não era meu, não conseguia me sentir.

Sabe, quando meu sogro faleceu, após seu enterro, meu marido passou a dizer que tentaria nunca faltar aos velórios de pessoas próximas, dada a importância que sentiu sobre isso na despedida de seu pai. E nunca esqueci.

Eis que chega o dia da minha grande despedida.

Chegando ao cemitério, ainda no carro, avistei muitas pessoas que já tinham chegado.

Fui tomada por uma felicidade pura e suave, quase ingênua.

Pessoas que não via há tanto tempo, por ter me mudado de cidade. Pessoas que sobretudo fizeram parte da minha infância e do pequeno círculo de amigos do meu pai.

Meu pai, que era tão quieto e discreto, mas que à sua maneira marcou aqueles ali.

Também tinham amigos meus, que mal o conheciam, mas que foram. Foram!

Fiquei eufórica. Não sabia se percebiam e cheguei a me encabular um pouco. "Que menina insensível!", pensariam. 

Resolvi ignorar isso e segui cumprimentando a todos com abraços fortes, demonstrações de grande alegria em vê-los e agradecimentos sinceros.

Era como se fossem convidados para uma festa de despedida do meu pai e que ele merecia ser festejado. 

Mas não era festa (como ele gostava). Era um adeus.

Só sei que fiquei repleta dessa coisa boa e não entendia.

Por fim, a última a ir embora, meu marido começou a dirigir, Renan quieto em seu assento.

Em segundos parei finalmente para tentar decifrar a mim mesma, me achar. E entendi... e lembrei do que meu marido dizia sobre ir aos velórios...

E disse já chorando: "Eu achei que não teria ninguém!".

Ali, só ali senti alguma dor. Penso que é das amostras de dor que Deus dá (pra me fazer entender o tanto que ele está me protegendo).

Tomei posse de alguma lucidez que sofre.

Percebi que ver aquelas pessoas materializou que ele não era importante e especial só pra mim. E quando alguém ama aquilo que você ama, é das maiores felicidades.

Eu também, agora, tenho para mim que me esforçarei em ser presente para com os outros nessa celebração da vida na morte.

Ludmila Barros 🔗 ludmilapb

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